quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Nuances do mensalão



Existem muitos vícios arraigados na sociedade brasileira e o da desculpa está sempre presente. Ela é utilizada por todos os segmentos sociais, mas sobressai na administração pública. Os dos andares de cima a utilizam sem ficarem vermelhos, ainda que ela seja flagrantemente descabida. Recentemente coube à senadora Marta Suplicy negar que sua indicação para ministra nada tem a ver com seu apoio a Haddad, antes negado veementemente. Como a desculpa recorrente alcança a todos, nem a Suprema Corte de Justiça escapa das justificativas sem lastro de coerência.
Começou a sucessão de desculpas com a defesa, pelo presidente Ayres Brito, de que sete anos para julgar o processo do mensalão foram até pouco tempo para se fazer um julgamento com segurança. Mesma tese defendida pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, a pretexto da complexidade do caso. Para sedimentar essa argumentação precisaria citar a duração para o julgamento de casos semelhantes na Inglaterra, na França, no Japão, nos Estados Unidos, dentre outros países democráticos e desenvolvidos.
Quatro anos para a realização de uma Copa do Mundo ou de uma Olimpíada parece uma eternidade. Com mais um ano, o exíguo prazo do mensalão seria suficiente para a realização de duas. Esse era o desejo, vencido, do revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Definitivamente, por mais intrincados que sejam algumas demandas judiciais, os organismos internacionais deveriam fixar um prazo máximo de um ano para uma decisão final em qualquer país. Acima desse prazo não se faz justiça, qualquer que seja a decisão. A contradição é que ambos agora entendem demorado passar alguns meses para o julgamento em si, com sugestão de convocação de sessões extraordinárias para agilizar o andamento. Três, quatro meses não são nada para quem já esperou por sete anos.
Depois veio a discussão quanto à forma do julgamento: fragmentada por tópicos ou voto completo de cada ministro. Vencedora a posição do relator, o fracionamento jogou por terra todo o trabalho do ministro Cezar Peluso, em decorrência de sua aposentadoria compulsória. Uma falha gritante já foi não levar em conta o risco da aposentadoria no meio do julgamento. Com um mínimo de sensatez, teriam acordado ao menos pelo voto completo de Cezar Peluso antes dos demais. Claro que cada já tem sua convicção subjetiva por que esse voto não se completou.
Além de percentualizar seu voto, Cezar Peluso inovou quanto à postura de um magistrado ao julgar alguns réus do andar de cima. Como um sinal claro de pedido de desculpas por condená-los, alegou que nenhum juiz fica feliz em condenar. Nem deve mesmo ficar nem saltitante nem deprimido, impedido que está pelo princípio constitucional da imparcialidade. Ao acompanhar o colega, o ministro-presidente Ayres Brito recheou com fel, jiló e outros sabores menores adocicados.  Não se tem notícia que ambos já cultivassem o mesmo sentimento quando julgavam os Zés da Silva à época de juízes. Joaquim Barbosa alertou o presidente de que a Suprema Corte não precisaria se justificar, numa referência clara aos renomados advogados no que, no claro disfarce, Ayres Brito colocou como uma satisfação da judicatura à sociedade.
Não poderiam faltar as distorções na mídia. Num editorial recente a Folha de S.Paulo chama de simplista quem defende a absolvição ou a condenação “a qualquer custo”. Fomentar complexidade é outra estratégia recorrente na sociedade brasileira para depois se fingir vítima dela. É preciso afirmar para a Folha que de ser simples assim: o mensalão existiu? Essa conduta se enquadra no Código Penal? Os autores agiram livres de coação irresistível ou tortura? Eram capazes de compreender seus atos? Caso as respostas sejam positivas, devem ser condenados ou absolvidos?
Resta esclarecer a necessidade de os condenados cumprirem as penas em seus estados de domicílio e não num presídio federal determinado pelo Supremo. A sociedade também precisa ser informada como será feito o ressarcimento do dinheiro público surrupiado pela quadrilha, segundo o procurador-geral da República, bem como as medidas preventivas de fugas para o exterior.
Independente da complexidade, sete anos para julgar uma ação não tem justificativa plausível; não seriam os ministros quem deveriam pedir desculpas; Joaquim Barbosa tem razão em negar a necessidade de aquiescência dos papas da advocacia. Que se deixe bem claro para a Folha de São Paulo que a sociedade é a vítima nesse caso e de forma nenhuma foi ela quem quis a condenação. E para a felicidade geral da Nação as decisões independem da tristeza de alguns juízes.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
    Bacharel em direito

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